Nas últimas décadas, tem existido um aumento na evidência científica a favor de maior presença de produtos de origem vegetal na nossa alimentação. As populações com consumos elevados ou exclusivos de produtos de origem vegetal parecem ter menor probabilidade de contraírem doenças crónicas, como doença cardiovascular, certos tipos de cancro, diabetes e obesidade. Este padrão alimentar pode ser exclusivamente baseado em produtos de origem vegetal (vegetariano estrito ou vegano) ou, por exemplo, incluir ovos e laticínios (ovolactovegetariano). Na sua base estão, geralmente, fruta, hortícolas, cereais, leguminosas, frutos gordos e sementes, de preferência locais, da época e minimamente processados. A adequação desta alimentação às várias fases do ciclo de vida, implica um bom planeamento e acompanhamento da mesma.
A alimentação vegetariana poderá incluir os seguintes grupos de alimentos, de forma a ser completa e equilibrada: fruta, hortícolas, laticínios ou alternativas vegetais (leite*, bebida vegetal, iogurte*, queijo* (ou as suas alternativas vegetais), leite fermentado*), leguminosas (feijão, grão, ervilhas, lentilhas, favas), derivados (tofu, miso), algas, cereais e tubérculos (arroz, trigo, centeio, milho, quinoa, aveia e produtos derivados (pão, tostas, bolachas, massas, flocos de cereais) e batata), frutos gordos (noz, avelã, amêndoa, caju, pistacho), pasta de frutos gordos (manteiga de amendoim e de amêndoa), sementes (linhaça, chia, girassol, abóbora, papoila, sésamo), gorduras (azeite e óleos vegetais, creme vegetal e manteiga*) e ovos*. *Não incluído numa dieta vegana.
Para ser nutricionalmente adequada às várias fases do ciclo de vida, grau de atividade física e comorbilidades presentes, esta alimentação deverá ter em conta o valor energético dos alimentos, os macronutrientes e os micronutrientes (vitaminas, minerais e oligoelementos), presentes, bem como a sua biodisponibilidade. Um padrão alimentar vegetariano, independentemente da faixa etária a que se destina, não acarreta um aporte energético aumentado, comparativamente com a alimentação não vegetariana.
Os alimentos com teores elevados de aminoácidos essenciais são considerados de alto valor biológico. Nestes, são englobados alguns alimentos de origem animal (como carne, pescado, laticínios e ovos) e vegetal (como a soja, quinoa e amaranto). As proteínas de vários alimentos de origem vegetal são constituídas por todos os aminoácidos essenciais, no entanto, a quantidade de um ou dois aminoácidos poderá ser baixa. Os cereais, especialmente o trigo, são particularmente limitados no seu conteúdo de lisina e treonina, e as leguminosas apresentam baixa quantidade de metionina e cisteína. Os diversos alimentos de origem vegetal permitem, através da complementaridade dos seus aminoácidos, atingir facilmente as recomendações proteicas e em aminoácidos. Não é necessário, na mesma refeição, atingir as necessidades de todos os aminoácidos essenciais nem de realizar combinações de alimentos para assegurar essas necessidades, dado que o organismo armazena um pool de aminoácidos, desde que as necessidades energéticas e proteicas sejam alcançadas durante o dia. As fontes alimentares são: leguminosas, produtos à base de soja, cereais integrais, pseudocereais (quinoa, amaranto e trigo sarraceno), frutos gordos, sementes, laticínios e ovos.
Relativamente às gorduras, o padrão alimentar vegetariano inclui, habitualmente, uma quantidade de gordura total e gordura saturada inferior, comparativamente ao padrão não vegetariano. O consumo de óleos vegetais, frutos gordos e sementes promove um aumento da ingestão de ácidos gordos polinsaturados. Os ácidos gordos polinsaturados incluem os ómega-3 e os ómega-6 e são necessários para o bom funcionamento fisiológico, incluindo o transporte de oxigénio, o armazenamento de energia, a constituição da membrana celular, a regulação da proliferação celular e função imunitária (incluindo inflamação). Os seres humanos são incapazes de sintetizar os ácidos gordos ómega-3 e ómega-6, mas conseguem converter o ácido alfa-linolénico (ALA; 18:3n-3) em ácido eicosapentaenóico (EPA; 20:5n-3), que por sua vez é convertido no ácido docosahexaenóico (DHA; 22:6n-3). O ácido linoleico (LA; 18:2n-6) é convertido em ácido araquidónico (AA; 20:4n-6). Enquanto o consumo de ALA é semelhante entre vegetarianos e não-vegetarianos, o de LA tende a ser maior na população vegetariana. O EPA e o DHA estão pouco presentes nas dietas ovolactovegetarianas e praticamente ausentes nas veganas. No entanto, alguns alimentos de origem vegetal, nomeadamente os fortificados, podem compensar as necessidades em ómega 3, sendo as algas fontes de EPA e DHA, e as sementes e óleos de linhaça, chia e cânhamo, a soja (e óleo de soja), as nozes e as beldroegas, fontes de ALA. Os vegetarianos consomem habitualmente menores quantidades de EPA e DHA. É importante garantir um rácio ómega 6: ómega 3 adequado, que deverá ser de 2:1 a 4:1. Quem segue um padrão alimentar vegetariano deverá privilegiar o consumo de gorduras monoinsaturadas (como o azeite) e evitar o consumo de gorduras hidrogenadas e trans presentes nos alimentos processados.
As necessidades em hidratos de carbono não estão aumentadas na população vegetariana. Em relação à fibra, dado o maior consumo de fruta, hortícolas e leguminosas, os vegetarianos consomem habitualmente uma maior quantidade do que os não vegetarianos. As fontes alimentares são: cereais e seus derivados, tubérculos, leguminosas e frutas.
A população vegetariana poderá estar em risco de deficiência em vitamina B12, dado que o consumo desta vitamina é habitualmente baixo, pois a sua forma ativa apenas está presente em alimentos de origem animal e em alimentos fortificados. O padrão ovolactovegetariano pode fornecer esta vitamina através dos ovos e laticínios, no entanto, ainda assim, a sua ingestão poderá ser insuficiente. Já a população vegana não terá nenhuma fonte desta vitamina, pelo que deverá ingerir alimentos fortificados e/ou suplementos com o objetivo de prevenir a deficiência. Os alimentos fortificados, tais como as alternativas vegetarianas à carne, extrato de levedura, bebidas vegetais, cereais de pequeno-almoço e/ou os suplementos são indicados para ambos os padrões. Os alimentos de origem vegetal apenas contêm ferro não heme. O ferro não heme apresenta uma absorção inferior. Devido a esta menor biodisponibilidade, as necessidades de ferro estão bastante aumentadas na população vegetariana. Alimentos ricos em ferro não-heme são: leguminosas, cereais de pequeno-almoço fortificados, cereais integrais, tofu, vegetais de cor verde escura, sementes, frutos gordos e tempeh. Para o padrão ovolactovegetariano, os ovos também são uma fonte de ferro. A absorção do ferro não heme poderá estar diminuída devido a fatores como o cálcio, fitato, polifenóis (taninos e catequinas) presentes no chá, café, especiarias (açafrão, chili) e cacau, à redução da acidez gástrica e a estados inflamatórios aumentados. A vitamina C é o fator facilitador da absorção de ferro mais importante, já que promove a conversão do ferro férrico em ferro ferroso, que é a forma melhor absorvida. Demolhar e germinar leguminosas, grãos e sementes diminui o conteúdo em fitato e melhora a absorção do ferro. A ingestão de cálcio em ovolactovegetarianos tende a ser semelhante ou superior à observada em não vegetarianos, enquanto quem segue um padrão vegano apresenta uma ingestão ligeiramente inferior, devendo por isso privilegiar alimentos ricos neste mineral. A dieta ovolactovegetariana inclui excelentes fontes de cálcio: leite, queijo e iogurte. Quem segue um padrão vegano pode obter o cálcio necessário através de alimentos de origem vegetal, como hortícolas de cor verde escura, leguminosas, sementes, frutos gordos, alimentos fortificados como tofu, bebida de soja, aveia, amêndoa ou arroz e cereais de pequeno-almoço. Outros alimentos como folhas de beterraba, ruibarbo, espinafre, acelga e amaranto contêm cálcio, no entanto, dado o seu conteúdo em oxalatos, este está menos biodisponível. A soja, mesmo contendo fitatos e oxalatos, preserva uma boa biodisponibilidade de cálcio.
Uma alimentação vegetariana, desde que bem planeada, é saudável e poderá ser benéfica para a saúde, nomeadamente na prevenção e tratamento de diversas doenças. Se segue este padrão alimentar, faça uma consulta de nutrição junto da nossa equipa de nutricionistas para avaliar a qualidade da sua alimentação.
REFERÊNCIAS:
1. Nutrimento – Direção Geral da Saúde. Disponível em: https://nutrimento.pt/
Por: Milene Celestino: Nutricionista do clube de saúde Kalorias Montijo e Quinta do Conde, membro efetivo da Ordem dos Nutricionistas nº1154N
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